quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Fiasco

Fiasco

Já faz dez anos, ou mais. Já nem me lembro bem. Dez anos? Já nem lembro. Doze talvez? Tipo dez doze vinte cem sei lá, um monte. Eu tentei, eu bem que tentei, eu queria muito, muito. Eu cheguei a começar, não cheguei? Eu tinha a faca e o queijo, a idéia, tudo, tudo. Eu cheguei a começar, juro. Mas a sombra dele, a sombra dele, aquilo não saía, saía mal, era horrível, repugnante, eu detestava, eu nem fazia. Fazia mal. A sombra dele, a sombra dele no papel, em cada haste de cada letra de cada palavra, subindo a escada, a sombra dele no teto do quarto, na água do banho, na ponta do lápis, na unha encravando, no verso, no ponto final. Eu cheguei a começar. Fiz uma boa parte, não fiz? Você não acha? Não? Fiz sim, quase certeza que sim. Horas e horas e dias e noites e noites e noites. Você não lembra? Eu sim, mas não de tudo. O que eu mais queria era que fosse bom, que desse certo, desse samba. Mas a sombra, a sombra dele, das coisas dele. Você não samba? No fundo... No fundo eu queria mas não. Não tinha por onde, nem como. Eu queria tanto. Não queria? Eu cheguei a começar e quase até gostei. Não gostei? Talvez não, não. Um saco esse ressentimento rebarbativo. Um saco. Tudo por causa dele. Eu e ele. Nunca tive nada pra dizer pra ele. Nada pra dizer. Eu queria tanto. Na verdade não era com ele, o lance. Ele tudo bem. O problema é a sombra, a sombra dele. Sombra branca.

Sombra branca.

E mesmo assim eu comecei, eu cheguei a começar, não cheguei? Puta que o pariu como é difícil!! Motivação, meu caro, motivação!! Sai da sombra! Mata essa vaca! Mata!! Mata!! Como? Sei lá. Tem que ter um jeito, não tem? Você me ajuda? Hein? Hein? Ajuda, vai? Difícil. Aquele tempo todo ali. Horas e horas e dias e noites e noites. A gente fracassa sempre, sempre. Fracassa quando começa. Fracassa com morango, fracassa com aveia, com feijão, com farinha. Fracassa com calda de chocolate. E mesmo assim começa. Eu cheguei a começar, não cheguei? Quanta ambição... Mas tem outro jeito? Dá pra ficar quieto? Deve dar. Dá? De repente ainda dá samba. Mas e a sombra dele, a sombra branca? Você não samba? Deixa pra lá. Mas o que era mesmo? Você se lembra? Lembra? Lembra da idéia? Do cerne? Do coração? Do núcleo, núcleo duro, do olho do bicho, do furacão? Me deu branco. Voltei pro branco. Papel branco, sombra branca. Existe samba branco? Hein? Você também não sabe nada, porra! Não ajuda! Ajuda, vai? Então pára com isso. Tenta, vai? Tenta lembrar. Me ajuda? Ajuda a lembrar. Lembrar ou inventar. No meu caso, dá no mesmo. Dá no branco. Ajuda, vai? Puxa desse lado que eu empurro daqui. Faz força. Força! Isso! Mais! Mais!! Mais!!! Parece piada. Eu cheguei a começar, não cheguei?

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