quarta-feira, 29 de agosto de 2007

A cara da moça

A cara da moça

A cara dela. Eu nunca vou esquecer a cara dela. A cara da moça. A cara dela acordando era a melhor coisa do dia, e a primeira, naquele tempo. Bons tempos. Ninguém nunca viu o que eu vi naquela cara dela acordando, naquela cara dela amassada. As manchas e cílios, a penugem, as dobras pra lá e pra cá, os olhos grudados depois abertos querendo fechar, um lábio maior, o de cima, e um menor, o de baixo, e a orelha meio grande disfarçada nos cabelos meio pretos, meio não. Os nossos dias e noites e coisas acumuladas e vivas naquela cara dela amassada. A gente dormia abraçado, eu atrás ela na frente. Eu não via a cara dela, só o cheiro dos cabelos e o quentinho e macio dos seios, o pé entre os meus, as coxas nas coxas. Mas de manhã a cara dela era minha, aquela cara dela amassada que eu acordava e lambia e amassava pelas noites e noites, de sono e de sexo e de alívio de mais um dia de cão. A cara era minha, a cara da manhã.

Amassada.

Depois ela tomava banho e passava perfume e pintava o olho e o lábio e a cara e a cara virava dela e só dela, não era mais minha, e depois ela saía e passava o dia e depois ela voltava e dormia e acordava. Acordava com a cara amassada e minha.

Mas um dia não.

Um dia ela não voltou e não dormiu, e dormiu com outro, acho eu, e foi acordada por outro, acho eu, que não era eu, isso eu sei, e que nunca entendeu, isso sim eu sei, que nunca entendeu a cara dela de manhã, aquela cara dela amassada antes do banho que ela e só ela tinha de manhã e que era minha e depois não.

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